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sábado, 3 de dezembro de 2011

MEMÓRIAS DE UM DISCENTE

MEMÓRIAS DE UM DISCENTE

     Eu era um aluno como você...

     Eu sou de um tempo meio estranho. Daqueles em que respeitar professor era coisa de tonto ou “boiola”. Tempo em que falar bem alto, discutir e xingar os professores não era exceção. Eu fazia disso tudo a minha regra.
     Sou de uma “nova era”. Era da tal “Progressão Continuada”. Eu lá sabia o que era isso? Mas o que eu sabia mesmo é que podia passar de ano, mesmo que eu não soubesse nada. Naquela época, em mais ou menos sete anos na escola, eu não sabia multiplicar, nem dividir. Morria de preguiça de pensar! Também odiava Português. Ler e escrever? Nem pensar! As aulas de outras matérias? Nem aparecia e quando aparecia era pra “zoar”.

     Eu era um aluno como você...

     Naquela época, alguns professores mais modernos passavam algumas dinâmicas e brincadeiras para incentivar o aprendizado dos alunos. Até nessa hora eu atrapalhava tudo. Queria atenção só pra mim e acabava criando a maior indisciplina na classe, só pro professor ficar nervoso e todos bagunçarem, assim não haveria aula, com dinâmica ou sem dinâmica.
     Como naquele tempo o governo (como sempre!) queria economizar dinheiro na educação pra arrecadar dinheiro para o bolso dele, a gente não tinha um livro só nosso. Todo final de ano tínhamos que devolver os livros, faziam até propaganda pra não esquecermos essa obrigação! Computador era só pra uma dúzia de alunos, a escola sempre precisava de reformas e nunca tinha dinheiro. Material? Tínhamos que levar de casa, e a sala de aula às vezes ficava com 50 alunos só pra economizar sala e professor.

     Eu era um aluno como você...

     Eu não tinha limite. Essa palavra não existia no meu vocabulário. Quando algum professor, inspetor ou até diretor me repreendia, eu dava risada. Às vezes fingia ter virado bom menino e depois fazia tudo errado de novo. Vivia me metendo em brigas, confusões e muitas drogas, mas naquela época tudo estava ao meu favor, afinal eu era menor de idade e, apesar de ter levado muitos outros no mesmo caminho, eu estava lá porque “lugar de criança é na escola”.

     Eu era um aluno como você...

     Naquele Novo Milênio falava-se muito em psicologia, inteligências múltiplas e de um diferente modo de pensar das pessoas. Eu sempre tive problemas com meus pais e irmãos. Carinho? Sei lá o que é isso? Na escola, até tentaram, mas minha rebeldia falou mais alto. Até achava que precisava de ajuda psicológica, mas não pude contar com isso nem na escola, nem fora
dela.
    
     Eu era um aluno como você...
 
     Você não me conhece, mas eu sei como você é...
     Você não sabe o que faço hoje, mas eu sei o que você está fazendo...
     A vida tem sido boa pra você, mas não tem sido favorável para mim e eu sei por que...
     Eu não aproveitei os dias em que pude estudar e aprender a ser mais gente...
     Hoje nem me sinto muito gente, mesmo sendo ser humano como você...
     No tempo em que eu ia à escola, sempre arrumava um jeito de me sair bem, de não ser pego, de brigar, de enganar a todos e até a mim mesmo...
     Mas um dia me pegaram. Eu pensei que ia fazer como sempre fazia, mas não deu certo dessa vez.
     Hoje lembrei do aluno que eu era...
     Hoje faço 30 anos...
     Hoje faz 10 anos que não vejo o nascer e o pôr-do-sol...
     Hoje eu não sou você, mas você pode ser como eu amanhã. Por favor, não faça isso!
     Não seja como eu! Um aluno que aprendeu a não aprender...
     Alguém que perdeu o tempo e se perdeu...
     Um homem que se prendeu em jaulas...
     Sou um presidiário.

Maria Cristina Deziró Fernandes



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